registro da pesquisa do ator
Produção Textual 1 | Mês 1
Análise e Dissertação
Vídeo | Programa Literatura Fundamental – TV Cultura / Univesp TV
6ª edição – Fausto – Entrevista com Eloa Heise (2013)
Igor Pretto - Pesquisador
Alexandre Dill - Orientador
O vídeo analisado é uma entrevista do Programa Literatura Fundamental com a Profa. Dra. Eloa Heise, da USP. O tema da sexta edição do programa é a obra 'Fausto', de Goethe, abordando desde o surgimento do mito do Dr. Fausto até a última publicação de Goethe, 'Fausto 2'.
Já na resposta às primeiras perguntas a professora comenta que Goethe, assim como Fausto, buscava entender a totalidade do mundo através de seus inúmeros estudos, nas mais diversas e possíveis áreas, inclusive dentro da literatura, acreditando, justamente, em uma 'visão total' do mundo, sem 'portas fechadas', sem 'especialidades' em determinado campo ou outro.
'Fausto', portanto, foi um trabalho que permeou toda a vida de Goethe, apresentando, também, toda a filosofia e as indagações de sua época. Partindo de um mito que se disseminou na Europa e que descreve muitas questões típicas das sociedades ocidentais, o poeta materializa o mito do homem moderno, o 'homem que busca dar significado à sua vida, que precisa tocar o eterno e compreender o misterioso, e que se depara sempre com a insatisfação'.
Eloa Heise também resgata cronologicamente a história do mito do Dr. Fausto e as inúmeras obras que o cercam. O mito surge no fim do século XV, a partir da vida de um versado e imporante médico, conhecido em toda a Alemanha na época, que por sua fama e dinheiro é acusado de ter feito um pacto com o diabo, assim como outros intelectuais da época como Galileu e Nostradamus.
Um livro popular, de autor anônimo, que teve várias edições, foi a primeira publicação que versou sobre a lenda do Dr. Fausto. Em forma de almanaque, com sentido enciclopédico e sob uma ótica cristã, este escrito contava as peripécias de um doutor charlatão, ficando clara uma condenação pelo seu pacto, sua fama e poder. O livro seria, mais tarde, uma das bases para Goethe na sua versão.
Traduzido para o inglês, o livreto chega ao inglês Christopher Marlowe, que escreve 'A Trágica História do Dr. Fausto', com pouca mudança no foco da condenação. A lenda era, também, o assunto preferido da intelectualidade da época, sendo que Lessing, escritor e dramaturgo alemão, tinha planos de reescrevê-la sem condenar Fausto às ‘penas eternas', acreditando que ninguém pode ser condenado pela sua melhor qualidade: a racionalização, a reflexão.
Na obra de Goethe o pacto aparece sob uma perspectiva diferente. Fausto, com todas as suas dúvidas apesar de toda a ciência predominante no século XVIII, afirma a si mesmo que ficou tão sábio que, como antes, parece não saber nada. Questiona-se sobre o sentido mais profundo da vida, sobre qual seria este sentido. A partir de suas especulações e contatos com a magia, acaba por ter uma relação de acordo com Mefisto, em um pacto que seria uma forma de solucionar suas dúvidas.
A professora salienta que Goethe traz, em seu 'Fausto 1', duas apostas. Após uma 'Dedicatória' - que abre o volume e parece ser dedicada ao próprio tema, explicitando a relação do autor com o tema - e um 'Prólogo no Teatro' - com caráter metalinguístico, onde três figuras debatem sobre como montar uma peça de teatro a partir de seus interesses e de sua relação com o público - surge o 'Prólogo no Céu', onde aparece a primeira aposta.
Neste prólogo, sob um olhar cristão, Deus e o Diabo conversam sobre a conquista do homem. Deus ressalta o lado positivo do homem, que pretende sempre alcançar novos horizontes, e acredita poder levá-lo à luz. Para o Diabo o homem é um ser mal constituído, dividido entre a ânsia de saber e a ânsia das sensações terrenas. O personagem seria um representante da humanidade, colocando-a em cheque a partir do momento em que Deus permite que o Diabo se aproxime de Fausto, na certeza de que ganharia a aposta, de que o homem sempre buscaria a luz.
A segunda aposta surge entre Fausto e Mefisto, num acordo que só terminaria no momento em que ele pudesse realmente se sentir satisfeito de todas as sensações terrenas, passando a procurar este estado em vários estágios. Em 'Fausto 1' passa pelo 'pequeno mundo', das sensações, e em 'Fausto 2' entra em contato com o 'grande mundo', da arte, da Antiguidade, da economia. No fim da vida, velho, tem uma visão onde homens lutam juntos para conquistar uma terra, e acredita ter chegado ao momento pleno de satisfação quando, na verdade, está tendo sua cova preparada. Morre com o vislumbre do que poderia ser o sentido da vida, mas sua resposta fica incompleta.
Eloá reforça a questão humana predominante na obra de Goethe, que talvez por este caráter nos toque até hoje, além de se identificar plenamente com questões sociais e políticas ainda presentes na cultura ocidental. Mais do que isso, o 'Fausto' de Goethe faz-se adaptar naturalmente em cada tempo e sociedade, renovando e transformando as reflexões sobre seus conflitos e sobre os conflitos do homem, que também se renovam e se transformam rapidamente.
Produção Textual 2 - Mês 1
Análise e Dissertação
Vídeo 'Chapolin - de acordo com o diabo' (1976)
'De acordo com o diabo' é um episódio de 1976 da série mexicana 'O Chapolin Colorado', exibida em inúmeros países nas últimas décadas, inclusive no Brasil,onde o personagem também se tornou um ícone de uma geração como um 'anti' super herói, atrapalhado mas sempre em busca de soluções para os mais variados problemas e dúvidas de homens e mulheres. Neste episódio Chapolin será convocado pela filha de um cientista para ajudá-la a encontrar um material de trabalho do pai que foi perdido, acabando por relembrar o mito de Fausto como exemplo de quem não encontrou a felicidade e satisfação através do dinheiro e do poder.
O episódio inicia com um cientista pedindo à sua filha que o ajude a procurar um parafuso muito pequeno, que unido a outros três iguais completaria sua nova invenção. O cientista, sua filha e seu noivo, que chega em seguida, iniciam a busca pelo objeto, inicialmente sem sucesso. Já sozinha na sala de sua casa e ainda sem encontrar o parafuso perdido, a filha faz a conhecida pergunta: 'E agora, quem poderá me ajudar?'Instantaneamente, como sempre, surge a figura do Chapolin, que chega pronunciando sua constante disposição para solucionar as inquietações de quem precisa, mas logo salienta se ela o 'invocou' foi porque precisava muito dos seus serviços, e que o problema teria que ser resolvido sem demora, pois sempre há muitas outras pessoas precisando da sua ajuda.
Em vários momentos já começam a surgir pequenas referências e ligações com o mito de Fausto. O simples fato de Chapolin ser convocado pelas pessoas em momentos de dúvida, para solucionar os mais diversos problemas, é reforçado e chama a atenção de uma forma diferente neste episódio. Diante da forma confusa como a moça se apresenta, Chapolin afirma que 'os inteligentes costumam duvidar das coisas e só os idiotas aparentam sempre estar seguros de tudo que dizem'.Logo reaparecem o noivo e o cientista, que não se surpreendem com a presença de
Chapolin. Os quatro personagens passam a encontrar e perder sucessivamente os três parafusos da invenção, criando várias situações cômicas entre eles nesta procura. Após inúmeras tentativas sem sucesso, Chapolin fica sozinho na sala, encontra os parafusos e em seguida se depara com o noivo, carregando nos braços diversas fórmulas secretas, roubadas do laboratório do cientista.
Ele revela então, à Chapolin, que só assumiu um compromisso com sua noiva como intuito de descobrir os segredos profissionais de seu pai, afirmando que pretende ganhar muito dinheiro com as experiências do 'professor inventivo', como se refere ao cientista, perguntando a Chapolin se conseguiria dominar o mundo com o material
roubado. Chapolin diz ao noivo que vai ajudá-lo a não ter o mesmo destino de Fausto,
acertando-o, imediatamente, com um objeto gigante.
Já acuado e sem entender quem era Fausto e porque Chapolin o tinha acertado, o noivo pede explicações. O 'herói', passa, então, a lhe contar uma história, sobre um homem muito famoso na sua época, que queria ter todo o conhecimento do mundo para ser poderoso, tendo suas primeiras ambições na juventude e, mais tarde, já velho, pelo amor de uma mulher.
A cena passa a mostrar Fausto, um homem muito velho, com barba e cabelos enormes, carregado por uma mulher chamada Margarida em direção à sua mesa de estudos. Fausto declara seu grande amor e a pede em casamento. Ela diz que ele é um velho, um ancião, que poderia ter sido seu avô, recusando o pedido. Apesar do tom cômico e de algumas diferenças nas características dos personagens, a cena preserva questões da relação entre Fausto e Margarida, ficando claro o encantamento dele por ela e os empecilhos sociais para esta relação.
Fausto, sozinho, se pergunta quem poderia tirar-lhe uns 40 ou 50 anos para que conseguisse conquistá-la. Surge Mefisto, que não causa grande surpresa em Fausto. Ele pergunta ao diabo como estão as coisas no inferno. Mefisto responde que o lado subterrâneo da terra está como sempre, com muitos técnicos de futebol e políticos.
Ele diz a Fausto, também, que pode rejuvenescê-lo com palavras mágicas. Ensina-as a ele e demonstra seus poderes, transformando-o em um bebê e, em seguida, corrigindo o erro, deixando-o com a idade de 30 anos.
Fausto assina sem ler o contrato que Mefisto propõe, ganha a varinha dos poderes, e já sem Mefisto faz Margarida aparecer com as palavras mágicas. Ela o trata de uma forma bem mais afetuosa e aceita seu convite para jantar. Uma mesa luxuosa de jantar surge, mesmo com o modo atrapalhado com que Fausto utiliza os poderes, que fazem com que Margarida desapareça. Ele pede com as palavras mágicas para ela aparecer com o homem que ama, e ela reaparece com outro amado, o que faz Fausto se atrapalhar novamente com a mágica, até que fica sozinho.
Decepcionado ele diz que no fim das contas nada adiantou a varinha e o poder. Mefisto surge dizendo que para ele o acordo tinha sido proveitoso, em virtude do conteúdo do contrato assinado, que o autorizava a levar Fausto para o inferno caso este fracassasse. Fausto, imediatamente faz o contrato desaparecer com a varinha mágica e Mefisto chora até desaparecer novamente.
A relação entre os dois personagens aparece aqui com a mesma ideia de um pacto, que realizaria os desejos de Fausto. Com a simbologia de uma varinha, a história acaba por revelar, através do poder, o desamor de Margarida, a fragilidade de Mefisto e a solidão de Fausto, parafraseando os conflitos do mito e fazendo a reflexão sobre o
desejo pelo poder, que pode saciar as vontades do homem Chapolin reaparece na casa do cientista, e diz ao noivo que por querer o poder e a fama Fausto ficou sem nada, mas que se salvou porque se arrependeu. O homem, comovido com a história, se diz arrependido da tentativa de roubar os estudos do pai de sua noiva. Em seguida, o cientista reaparece com a informação de que conseguiu encontrar os parafusos e terminar o seu novo invento. O objeto, para surpresa de todos, é uma varinha, idêntica à que o diabo ofertou a Fausto. Ele diz que só não sabe, ainda, como usá-la.
Produção Textual 3 - Mês 2
Análise e Dissertação
Texto | Goethe e o Espírito Romântico | Mestres do Teatro I (1998, cap. 17) | John Gassner
Em ‘Mestres do Teatro I’, de John Gassner, o 17º capítulo localiza o Romantismo alemão na história do teatro e expõe as trajetórias artísticas e pessoais de três poetas e dramaturgos que propulsionaram, cada um a seu modo e tempo, um novo despertar de possibilidades nas criações literárias de um período de destruição dos últimos vestígios importantes do feudalismo na Europa Ocidental, nos séculos XVIII e XIX.
Lessing, Schiller e Goethe fizeram parte de um período histórico em que o drama romântico surgiu como um reflexo ou retrato, ou ainda um pretexto do sonho europeu, jamais abandonado, de um mundo nobre e progressista. Assim, a dramaturgia romântica, como afirma Gassner, é a ‘corporificação da aspiração’, do homem ou da sociedade; em algumas obras até como um registro atento de transformações sociais, como em ‘Fausto’.
Goethe, ‘a última das mentes universais’ – como denomina o sub-título do capítulo destinado ao poeta – forma a história de ‘uma mente em aprofundamento constante’, que ‘se detém continuamente para examinar a si mesma’. Sua trajetória de estudos em inúmeros campos, amores profundos e conflituosos, relação com as instituições de poder da época, além de muitos outros exercícios, pesquisas e vivências, o fizeram conceber ‘Fausto’ por um longo período de tempo como um ‘poema de experiência’.
Ao percorrer as experiências pessoais do poeta e, em seguida, refletir sobre ‘Fausto’, John Gassner deixa evidente a construção da obra como um ‘testamento de um poeta que acreditou ser o homem capaz de todas as conquistas’, disposto a provar, ele mesmo, esta capacidade, aprofundando-se pouco ou muito em inúmeras diversificadas atividades, fazendo desta experiência um fator de extrema relevância para a importância de sua construção e contribuição artística.
A obra ‘Fausto’ pode ser considerada uma história do homem julgada pela metafísica da aspiração humana, como propõe a análise de Gassner. Durante o pacto, Mefistófeles, que não compreende a busca do homem, procura desempenhar da melhor forma seu papel de propiciador de sensações ou concretizador de desejos. Fausto acaba por mergulhar no ‘grande mundo’, fazendo de Mefistófeles ‘um instrumento para sua insaciável busca e mais tarde para seu desejo de criar’.
‘Assim como as aspirações da Revolução Francesa foram canalizadas para as atividades científicas e econômicas no século XIX, assim como o poeta lírico Goethe se tornou pessoalmente um funcionário do governo e um cientista, Fausto agora vê-se às voltas com o mundo real. Dedica-se ao cultivo de uma faixa de terra, à drenagem e ao estabelecimento de uma sociedade próspera’. Esses empreendimentos também causaram dor a outros e Fausto, em algum momento, reflete amargamente sobre as ‘destruições’ necessárias para o progresso. Porém, ele não paralisa suas ações por remorso. Este sentimento, segundo Goethe, era perigoso quando conduzia a uma interrupção da atividade humana. Mais tarde, o personagem ainda percebe que seus esforços, ao fim da vida, o levariam muito mais a uma gratificação interna que qualquer outra coisa – ‘Apenas conquista sua liberdade e existência | Aquele que diariamente volta a conquistá-las’.
Gassner analisa ‘Fausto’ como um registro, não se encaixando com maior precisão no teatro do que a própria vida o faz. Ainda afirma que ‘seria fútil defender o Fausto em seu todo como uma simples peça destinada ao palco’. É uma combinação dos impulsos da época, onde Goethe absorveu e depois refletiu as sucessivas questões de um mundo em mudança.
O poeta, com um raro talento e inteligência para compreender a sociedade moderna e para transmitir as tensões desse mundo e com uma vida oscilando constantemente entre a ‘emoção anárquica e o pensamento racional’, construiu as experiências de ‘Fausto’ paralelamente às suas próprias experiências, criando uma obra que reflete momentos muito subjetivos ou muito evidentes da sociedade moderna e, consequentemente, da vida do homem contemporâneo.
Produção Textual 4 - Mês 2
Análise e Dissertação
Vídeo | Faust (1926) | Direção de Friedrich Wilhelm Murnau
‘Faust’ é uma adaptação para o cinema da obra de Goethe, estreada em setembro de 1926 na Áustria. Nas primeiras décadas de produção cinematográfica na Europa, ainda em um período de filmes mudos e em P&B, o diretor F. W. Murnau explora a primeira parte da tragédia de Goethe, também com elementos do mito do Dr. Fausto, expondo os motivos que levaram ao pacto com Mefisto e a sequência de experiências proporcionadas por este a Fausto.
O filme como um todo impressiona pela poética da fotografia e do som, com músicas, imagens, luzes e efeitos que proporcionam sensações fortes ao espectador. A oposição entre a religião e a magia, presentes no mito e em todas as suas versões, aparece aqui em cenas de grande impacto visual, em uma relevância que talvez encontre suas motivações no contexto social e artístico da época, bem como na maneira como a tragédia se manifestava no período.
Fausto, um alquimista erudito, requerido por pessoas nobres e simples, tem sua alma disputada entre Deus e Satã, num confronto pelo poder sobre a terra que aparece já nas primeiras cenas. Mefisto, uma figura com guampas e uma aparência monstruosa, discute com Deus, um ser extremamente iluminado. O Diabo afirma que nenhum homem resiste ao mal e é rebatido por Deus, que acredita que o homem pertence a ele e ninguém pode destruir o que é divino em Fausto, ninguém pode tirá-lo do seu caminho.
Logo em seguida, após uma imagem impactante que mostra Mefisto gigante cobrindo o céu do vilarejo em que vive Fausto, uma peste acomete o lugar e seus moradores, ocasionando uma série de mortes, começando pelo artista que se apresentava para o povo e causando caos e desespero. Fausto pede a Deus redenção e ajuda para aliviar a dor que crescia entre as pessoas, enquanto elas o procuravam pedindo auxílio para a cura de seus próximos à beira da morte.
O personagem, percebendo a inutilidade de seus estudos frente à peste, derruba e queima livros e inscrições bíblicas, se vê diante de um livro de magia, encontrando um caminho para o contato com o Diabo que, segundo as palavras escritas, poderia trazer toda a glória do mundo ao homem que necessitasse. Em um campo realiza um ritual impressionante, invoca Mefisto dentro de um círculo de fogo que cresce e, em uma impactante sequência de efeitos visuais, traz a figura invocada.
Na obra, Murnau cria um pacto em que Mefisto satisfaria os desejos de Fausto durante um dia – ‘Você é o mestre e eu o servo’, diz. Fausto assina o acordo com sangue, que friamente é tirado por Mefisto do seu pulso com uma faca. Imediatamente pessoas simples aparecem pedindo mais uma vez ajuda ao velho para salvar um homem. Fausto toca no corpo do homem por um tempo, este se levanta e o povo grita ‘Milagre! Milagre! Milagre!.
Enquanto Fausto se diz velho demais para ter seus desejos satisfeitos, Mefisto oferece juventude a ele, melhorando imediatamente e radicalmente sua aparência, e a dele próprio também, com um ritual que enche de fogo todo o gabinete de estudos. Ao mesmo tempo faz surgir a imagem da Duquesa de Parma, segundo ele a mulher mais bonita da Itália, despertando imediatamente o desejo de Fausto, que pede que o leve até ela. Logo os dois passam a voar no céu entre os pássaros em direção à mulher, em mais uma sequência de imagens belíssimas.
Após ser recebido com pompa no castelo, encantar magicamente a Duquesa e a levar consigo, Fausto, preste a beijá-la, é alertado por Mefisto que o dia acabou, assim como o pacto. Fausto implora pelo prolongamento do acordo e aceita, após inteligente e ousada proposta de Mefisto, que o pacto dure por toda a eternidade. Ele concretiza o desejo pela mulher e, por algum tempo, todos os que desejar, com o auxílio do Diabo.
Assim como em ‘Fausto 1’ de Goethe, passa a se desenrolar a história de amor de Fausto por Gretchen, que inicia com um lindo colar que é dado à jovem e a encanta profundamente, seguindo com o auxílio da tia, que a incentiva a conhecer o rapaz, até que ambos se declaram apaixonados. O Diabo surge para o irmão da moça, Valentim, referindo-se a ela como impura e impulsionando uma luta entre Fausto e o rapaz, em frente à casa da família, onde Mefisto acaba por matar Valentim com uma espada.
Seguindo a lacuna temporal e os momentos que aparecem na primeira parte da tragédia de Goethe após este episódio, o filme passa a mostrar Gretchen sofrendo e se culpando pela morte do irmão, sendo hostilizada por todos e depois, com um filho nos braços, tendo a ajuda das pessoas negada para ajudar o bebê, que está doente e acaba por morrer. Ela é acusada da morte da criança.
Nas suas últimas cenas, em vez do cárcere mostrado por Goethe, Murnau apresenta, mais uma vez de forma impactante e forte, Gretchen prestes a ser queimada na fogueira em meio à euforia do povo e Fausto, que continua a não conseguir salvá-la como no fim de ‘Fausto 1’. O amor, que surge com uma inscrição nas últimas imagens do filme, parece ter movido os principais desejos de Fausto, como em outras versões, e tratado como um sentimento propulsor de inúmeras experiências, apaixonantes ou trágicas.
Produção Textual 5 - mês 3
Análise e Dissertação
Texto | Dinheiro e Magia: uma crítica da economia moderna à luz do Fausto de Goethe (1985) | Hans Christoph Binswanger
Hans Christoph Binswanger é economista, fundador e diretor do Instituto para a Economia e a Ecologia e professor emérito da Universidade de Saint Gallen, na Suíça. O livro foi publicado em 1985 é um dos poucos estudos de economistas a partir de ‘Fausto 2’.
A segunda parte da tragédia de Goethe é, nitidamente, menos subjetiva que a primeira, apresentando um mundo menos apaixonado e mais amplo em relação ao seu contexto de ação. Goethe chegou a afirmar que ‘quem não tiver se movimentado um pouco por conta própria e vivido alguma coisa não saberá o que fazer com ela’.
O complexo universo político e econômico, no qual Mefisto insere Fausto, é analisado por Binswanger a partir das contribuições que traz ao estudo destas áreas e de como elas convergem nos métodos para ‘gerir sociedades’ que governantes colocam em ação desde a Antiguidade. A obra ‘Fausto 2’ é considerada, assim, a primeira e a melhor tragédia do desenvolvimento.
O progresso tecnológico do tempo em que viveu Goethe foi maior do que nos mil anos anteriores e esta velocidade nas transformações sociais e econômicas que já se iniciava no século XVIII pode ter sido propulsora de uma obra extremamente reflexiva sobre as mudanças significativas na relação do homem com as suas riquezas materiais.
Em outros tempos os soberanos de grandes governos tinham astrólogos e alquimistas para os aconselharem nas decisões políticas e acelerarem o processo de produção material. ‘Fausto 2’ está inserido no período em que se percebe ser mais fácil contar com economistas profissionais, assim como em um momento de vitória das convenções e símbolos criados pelo homem sobre as imposições da natureza, com a criação do papel moeda.
Binswanger teoriza, então, sobre esta nova forma de alquimia, que assim como a utilização do ouro, um recurso natural, se cria valor através do papel. Mais uma vez se cria um objeto simbólico para a materialização das riquezas, agora de uma maneira mais rápida e eficiente. No texto de Goethe este processo causa uma euforia instantânea na população, que deixa seu estado quase depressivo para o prazeroso consumo.
A partir disso, as situações que levam Fausto a ser um importante agente na tragédia da colonização, tendo Mefisto como acelerador da experiência (quase como o papel moeda para a população), expõem os métodos questionáveis de construção do progresso em uma sociedade. Porém, é evidente que mesmo crimes diabólicos e imensos custos humanos são absolvidos em troca de ‘crescimento’, da ‘evolução’ trazida pela prosperidade material.
A desigualdade, tirania, exploração, escravidão, inflação e devastação ambiental são quase invisíveis diante desta prosperidade. Tão invisível que Fausto, já cego e envelhecido, morre duplamente iludido: por um lado não percebe o destino de seus investimentos, nem a cova que está sendo preparada para si; por outro, chega ao fim da vida destituído de culpa, julgando-se integrante de um processo impessoal e coletivo de desenvolvimento.
E a exemplo do que Goethe já propunha no século XIX com esta obra, Binswanger ressalta que realmente o papel moeda se tornou a forma vencedora na organização dos sistemas monetários da atualidade, numa nova alquimia próspera e desenvolvimentista. Entre 1929 e 1933 a maior parte do planeta, inclusive o Brasil, se viu em um colapso financeiro que impulsionou a migração do ouro para o papel.
Assim, grandes governantes se viram diante de poderes ainda maiores ao gerir a utilização da nova moeda, sobretudo para atingir seus objetivos de desenvolvimento. Michael Jaeger faz, inclusive, uma comparação com a construção de Brasília, que não estaria distante do ideal desenvolvimentista de Fausto e não seria estranha ao seu projeto colonizatório.
Hoje, em nosso país, vivemos um período muito fértil na produção de bens, no consumo e no desejo de realização financeira. Resta-nos, então, esperar e acompanhar a transformação frenética e entusiasmada de nossa sociedade para que, em algumas décadas, possamos analisá-la e compará-la ao fim trágico da segunda parte da principal obra de Goethe.
Produção Textual 6 - mês 3
Análise e Dissertação
Texto | Fausto Zero (1773-1775) | J. W. Goethe (tradução de Christine Röhrig)
‘Urfaust’ ou ‘Fausto Zero’ é um fragmento da criação literária cumulativa de Goethe sobre o mito do Dr. Fausto. Aos 26 anos o jovem poeta concebe este esboço que mais tarde seria ampliado e aprofundado com a publicação de ‘Fausto 1’ e, ainda depois, ‘Fausto 2’, finalizada um ano antes de sua morte.
A tradutora lembra, no prefácio da edição, que os manuscritos originais para ‘Fausto Zero’ se perderam (ele os destruiu), e só foram recuperados graças a uma cópia que uma amiga e entusiasmada admiradora, Luise Von Göchhausen, fez do texto que Goethe lhe apresentara pessoalmente em 1775.
Como a cópia foi feita para si mesma como um registro, sem a precisão de um filólogo, não se sabe ao certo se algumas abreviações e imperfeições de grafia podem ser creditadas a ela. Além disso, não se pode afirmar se havia alguma outra cena ou esboço a ser inserido no texto que Goethe a entregou, sendo que este material só foi encontrado mais de 50 anos após a morte do poeta, pelo historiador literário Erich Schimidt, que o intitulou ‘Urfaust’.
Afora estas considerações sobre a origem dos escritos, a leitura de ‘Fausto Zero’ se mostra bastante ágil, objetiva e sucinta. Em vários momentos parece uma síntese das cenas de ‘Fausto 1’, inclusive com ‘lacunas’ na narrativa que até dificultariam o entendimento do leitor que não conheça a primeira parte da tragédia.
O Fausto apresentado em ‘Urfaust’ é um jovem doutor de no máximo trinta anos de idade que demonstra sua insatisfação com o conhecimento, buscando a sabedoria plena na magia. Não aparecem as cenas em que Fausto e Mefisto estabelecem o pacto; a cozinha das bruxas em que Fausto rejuvenesce; a luta com Valentim e sua morte, além de outros momentos da narrativa de ‘Fausto 1’ ou mesmo da lenda do Dr. Fausto.
Porém, todas estas cenas ficam subentendidas e fazem parte da compreensão da sequência de situações e conflitos de ‘Fausto Zero’, talvez porque Goethe as considerasse conhecidas por todos, não sentindo a necessidade de explicar o óbvio, já que este mito está extremamente ligado à história e às transformações da Alemanha e da Europa como um todo.
Ao contrário, todas as cenas de Margarida fazem parte deste primeiro fragmento, em conflitos que percorrem boa parte do texto. Mais uma vez, como em ‘Fausto 1’, há um lapso temporal entre a última aparição de Valentim e a cena em que Fausto passa a saber da prisão da amada e exige que Mefisto a tire do cárcere como parte do acordo, que deveria satisfazer seus desejos até o fim da vida.
Ademais, trechos importantes que na versão posterior aparecem em verso, aqui neste esboço surgem em prosa de forma forte e direta, numa linguagem que remete muito ao movimento Sturm und Drang, o pré-romantismo alemão, transparecendo a ‘juventude tempestuosa e impetuosa de Goethe’, como salienta Christine Röhrig.
Realmente é possível perceber, analisar e compreender ‘Urfaust’ como o início de uma pesquisa que ocuparia toda a vida de Goethe que, já nos primeiros anos de sua atuação como poeta, consegue reinterpretar um mito, uma lenda, suscitando importantes, complicadas e abrangentes questões que a insatisfação constante do homem pode criar.